Queer Eye Brasil é muito mais do que a tradução de um modelo de reality show bem sucedido nos Estados Unidos, amplamente visto em todo o planeta. Cinco homens não heteronormativos recebem histórias de sofrimentos humanos crônicos e atuam sobre a autoimagem e sobre as dores emocionais, cada um em sua área de expertise. O fato de serem cinco homens não machões, geralmente apoiando pessoas que fazem parte dos grupos que os invisibilizam, já é parte da alegria de ver este programa. É uma revolução através do afeto, em que o vínculo honesto com a angústia de existir faz brotar ações de cuidado realmente extraordinárias. Os cinco fabulosos, que é como eles se chamam, referendam que o cuidado nasce mesmo das pazes com nosso lado feminino, e isto não quer dizer nem adaptação, nem submissão a nenhum padrão adoecido da sociedade. Eles cuidam porque sabem fazê-lo, e usam sua sensibilidade desenvolvida vida afora em benefício do outro.

Esta é uma das maiores dificuldades de nós, homens, que crescemos admitindo ser verdadeira a grande mentira que nos contaram: devemos ser “racionais”, o que quer dizer separar-se das emoções como impurezas que enturvescem nossa percepção realista da vida. Cada um de nós, homens adultos, sabe o preço inenarrável que pagamos por acatar esta mentira como farol para a existência: destruímos relacionamentos e achamos que somos vítimas do outro que não nos compreende, violentamos e nem sequer percebemos como o outro pôde se sentir daquela forma, deixamos de viver um pedaço da vida que está acessível somente a quem tem espaço no coração para sentir o que for (medo, raiva, tristeza, saudade, esperança…)

O segundo episódio da versão brasileira de Queer Eye traz Rafael, um viúvo bastante jovem que teve que lidar com a perda abrupta de sua esposa, em um câncer que foi fazendo da despedida uma realidade cada vez mais dolorosa de se admitir. Ficaram ele e os dois filhos pequenos, em meio à saudade, ao futuro incerto, ao desafio de ter que ocupar um lugar protagônico e solitário no cuidado dos pequenos. Durante muitos anos, ele cuidou somente do bem-estar dos filhos, atento a cada milímetro da dor que ali pudesse existir. E é aí que entraram os cinco fabulosos, e produziram um dos episódios mais emocionantes de qualquer idioma em que esta série tiver sido feita.

Eles puderam convidar o Rafael a se perceber como digno de ser cuidado, finalmente. Depois de um tempo de luto, com a vida minimamente reestabelecida, se fez a hora de inverter por um tempo a bússola cujo norte apontava para a pessoa que receberia amparo. É uma lindeza, um encantamento em forma de encontro, o que acontece ali: vemos os olhos úmidos de Rafael contagiando os corações dos cinco (e o nosso, no sofá; eu chorei um choro forte, pungente, que queria abraçar aquela história que também é um pouco minha, porque sou homem e sei o que tudo aquilo representa). Aos poucos, ele vai se afirmando o direito de receber a própria compaixão como toque na alma. Nós, homens, merecemos ver este episódio e refletir o quanto fazemos isto conosco muito, muito pouco. Para nós, cuidado, quando muito, é estético (e isto é só uma parte), para nossas emoções transbordadas, costumamos dar o destino equivocado do tamponamento e do esquecimento, colocando em cima um monte de trabalho para fazer-nos esquecer de que também somos o que nos atravessa emocionalmente. Rafael e os cinco fabulosos fazem, ali, uma convocatória a tudo o que nos importa e nos faz humanos, potentes e que outorga sentido à vida – e que, lamentavelmente, colocamos no fundo das nossas planilhas cheias de números, sucesso, razão e solidão.

 

Autor: Alexandre Coimbra Amaral

Consultor de Saúde Mental, Escritor Best Seller, Colunista do Valor Econômico, Psicólogo no “Encontro”, da Globo. Temas: #saudemental #burnout #liderança #vinculos #colaboração #segurançapsicológica #parentalidade

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